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Para algumas pessoas ter alguém da família como chefe pode significar vida mansa e moleza, mas no caso de João Paulo foi exatamente ao contrário. O volante do Villa Nova-MG, que disputa a Série D do Campeonato Brasileiro, teve a experiência de ter sido comandado no começo de carreira profissional pelo próprio pai.
"Com 17 anos tinha sempre aquele receio, porque ele cobra demais os jogadores. Quando errava alguma coisa no treinamento, ele me xingava ainda mais do que os outros, todo mundo ria e eu ficava sem jeito (risos)", disse o atleta, em entrevista ao ESPN.com.br.
O episódio mais marcante na relação entre os dois foi na final da Taça Minas Gerais de 2006 contra o Uberaba, João vivia a expectativa de conquistar o primeiro título.
"Tinham 19 jogadores no elenco e um de nós ia ficar de fora dos relacionados. Eu não era titular e quando abri a gaveta não tinha roupa para mim, fui cortado bem na decisão", lamentou.
João viu das arquibancadas o Villa, que tinha Zé Love (ex-Santos) como titular, vencer o Uberaba por 3 a 1 e se sagrar campeão. "Quando cheguei em casa minha mãe perguntou para ele: ‘Por que você não colocou o João no jogo?' Meu pai respondeu: ‘Aqui a gente não fala de futebol (risos)'. Isso a gente não esquece, porque era apenas um juvenil", relembrou.
Nada que atrapalhasse a relação entre pai e filho. Francisco Carlos, conhecido como Pirulito, foi jogador de Atlético-MG, Nacional-AM, Fluminense de Feira-BA, e também trabalhou por anos como treinador.
"Era moleque demais e dentro de casa não se falava sobre futebol (risos)", disse.
Com apenas 10 anos de idade, o volante foi morar na Toca da Raposa e ficou amigo de garotos que depois se tornariam atletas profissionais, como Thiago Heleno (Figueirense), Guilherme (Atlético-MG) e Jonathan (Real Sociedad-ESP)
João Paulo junto com Guilherme e Jonathas/ARQUIVO PESSOAL
"Minha mãe foi me levar para saber onde ia ficar, como era lá e saiu perguntando para todo mundo. Eu passei a maior vergonha, fui muito zuado depois. Ela estava muito preocupada", disse.
A progenitora teria ainda mais motivos para perder noites de sono se soubesse como eram os trotes no alojamento. "Não foi fácil sair de casa, mas a gente amadurece porque aprende a se virar desde cedo. Quem ia dormir mais cedo sempre sofria, porque os caras passavam pasta de dente no rosto", disse.
Por ser o mais novo e o mais fraco entre moleques tinha que fazer tarefas que outros não queriam. "Eu era o mais sacaneado e me mandavam varrer os quartos dos caras mais velhos, mas eu era muito esquentado e sempre tinha briga. Como era marrento e sempre discutia, depois de alguma briga acordava com a cara cheia de pasta (risos)", gargalhou.
Ele era a vítima preferida de um zagueiro conhecido pelo forte físico avantajado. "O Thiago Heleno é muito meu amigo e gente boa demais, fizemos toda a base juntos, mas era o que mais aprontava comigo. Pior que nunca podia me vingar porque ele é alto e forte demais, vou brigar como? Tinha que engolir seco (risos)", falou.
Nos clássicos contra o Atlético-MG, ele podia descontar toda a raiva das traquinagens dos colegas de equipe. "Nessa época sempre rolava uma rivalidade grande. Saía até faísca nos jogos, mas nós sempre nos dávamos bem contra eles", garantiu.
Após sete anos no Cruzeiro, João voltou para sua cidade natal para atuar nos profissionais do Villa Nova, sob o comando de Pirulito e estudou educação física até o quarto semestre. Após superar um começo de lesões, hoje é um dos maiores ídolos da equipe, com 101 jogos.
"É um time que eu gosto muito porque é da minha cidade e tem uma realção muito especial com a minha família, porque meu pai é o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube e sou muito grato a todo mundo", disse.
Conhecido pelos torcedores como Pitbull ou Leão, pela vontade e raça dentro de campo, João resolveu radicalizar no visual.
"Uso a barba e o cabelo para mudar porque tinha cara de pivete, então como sou primeiro volante e chego mais duro precisava ter uma cara mais malvada. Só que a minha esposa gostou do visual rústico e eu mantive (risos)", comentou.
O jogador ainda teve passagens pelo Boa Esporte o Caldas Novas-GO, mas acabou retornando ao clube do coração. A situação financeira de hoje é muito mais complicada, após a renúncia do presidente e a penhora do clube aquático por causa de dívidas.
Mesmo na lanterna do grupo seis da Série D com duas derrotas e nenhum ponto somado, ele quer conquistar objetivos maiores. "A gente acredita que pode se classiicar e até conseguir o acesso, temos que sonhar e lutar", disse.
O volante ainda tem alguns anos como atleta, mas já projeta o futuro. "Quem sabe posso até virar um treinador como o meu pai, que hoje trabalha como técnico na base do Villa. Foi muito aprendizado para mim ", concluiu.
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