24/7/2015 12:33
A arte de admitir erros
Em meio a tantas evidências de que a gestão não tem sido a mais adequada, nada mais natural do que admitir que a receita desandou
Por melhores que sejam as intenções, nem sempre as decisões que tomamos nos direcionam para o rumo certo. Uma resolução por impulso, um julgamento malfeito, uma avaliação imprecisa... Qualquer deslize pode levar a um resultado negativo. No futebol, em que as causas e consequências são superdimensionadas, o efeito é pior. Do jogador que perde um pênalti ao goleiro que engole um frango. Do treinador que mexe mal no time ao presidente que faz escolhas equivocadas. Ninguém está imune às críticas. O “X” da questão é reconhecer essa vulnerabilidade. E aprender com os erros.
Não haveria momento melhor para um mea-culpa do dirigente celeste Gilvan de Pinho Tavares. A equipe está capenga desde o início do ano. Quem chegou nem de longe supriu a falta de quem saiu – e aqui não se trata apenas dos que ganharam status de ídolos, como Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro. Tem torcedor com saudade até do contestado Egídio e de Nílton, que passou parte de 2014 no estaleiro. Matéria do repórter Paulo Galvão do Estado de Minas mostrou que dos 17 contratados para esta temporada, apenas quatro são titulares.
A troca de treinador, com a demissão de Marcelo Oliveira – responsável pelo bicampeonato brasileiro – para a chegada de Vanderlei Luxemburgo (foto), ainda não deu indícios de que surtirá efeito. A nau, que estava perdida, parece ainda à deriva.
Quando a torcida vivia a expectativa da chegada do tão prometido reforço para dar “sustância” ao meio-campo e embalar a esperança de dias melhores, recebe a notícia de que a aposta da diretoria para essa vaga é um atleta até há pouco tempo considerado carta fora do baralho: Júlio Baptista, ainda em recuperação de contusão. Além disso, quem aparece para “reforçar” o grupo é Isaías Tinoco, contratado para diretor de futebol (cargo que ficou vago por sete meses) por indicação do treinador – hierarquicamente, e teoricamente, seu subordinado.
Nenhum argumento, contudo, parece convencer Gilvan de falha na condução do Cruzeiro na primeira metade do ano. Ao ser questionado sobre isso ontem, ele “ousou discordar”, palavras usadas pelo presidente. Tem todo o direito. Mas às vezes nadar contra a corrente é pior. Em meio a tantas evidências de que a gestão não tem sido a mais adequada, nada mais natural do que admitir que a receita desandou. E recomeçar a caminhada. É a arte de admitir o erro, que vale também para o goleiro que engole o frango, o jogador que perde o pênalti e o treinador que mexe mal. Para jornalistas, colunistas e repórteres também! É uma lei universal.
Isaías chega sob o estigma de braço-direito do controverso Eurico Miranda e com a missão, segundo ele próprio, de fazer uma integração do profissional com a base. Talvez as necessidades mais urgentes do Cruzeiro para um diretor de futebol sejam outras e para fazer esse elo fosse mais indicado alguém que já conheça quem está lá dentro. Que saiba o que é preciso aprimorar e onde estão os problemas.
Fazer um modelo único entre base e profissional também soa bonito, porém, é um trabalho um pouco mais complexo, que demanda tempo e, principalmente, continuidade – dois fatores um tanto quanto conflitantes com o futebol brasileiro. Dá certo no Barcelona e na Seleção Alemã, nos quais os jogadores das divisões inferiores são moldados para seguir a ideologia (e aí entram técnica, tática, princípios etc) da equipe principal. Os títulos são apenas consequência. Mas, para que a ideia dê certo, é necessário determinar esse modelo e apostar incondicionalmente nele, abrindo mão de decisões tomadas sob pressão e no calor dos resultados.
A utopia, muitas vezes, nos descortina um mundo de gratas realizações. Mas também está a um passo da desilusão. O Cruzeiro precisa estar atento a essa linha tênue, para que o discurso não ganhe mais espaço que as ações.
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