17/7/2015 13:13
Vingança dos peixes: pescador Gilvan "morreu" pela boca
Decisões tomadas em 2015 começam a ofuscar grande trabalho de Gilvan em temporadas anteriores
Em uma das semanas mais críticas do ano, Gilvan de Pinho Tavares precisou ir até sua casa de campo para resolver problemas particulares. Daí, virou lenda urbana de que ele teria ido pescar. Isso foi logo após a eliminação nas semifinais do Campeonato Mineiro, com todo aquele enredo envolvendo Federação Mineira e Rede Globo, assunto mais do que comentado aqui. Mas sempre que algum torcedor resolve falar que o Gilvan está meio sumido, brincam que ele deve estar pescando. Pescar é bom, até eu gosto. Mas se meter com pescaria requer alguns conhecimentos. E um deles é saber que peixe morre pela boca.
Como bom pescador, Gilvan poderia ter lembrado dessa premissa lá no início do ano, quando resolveu assumir a diretoria de futebol do clube após a saída de Alexandre Mattos. Literalmente, pagaríamos para ver se como diretor ele não cometeria erros crassos como enquanto presidente, ao deixar Mattos trabalhando para o Palmeiras e para o Cruzeiro em dezembro. Ou foi excesso de confiança ou faltou malícia demais (para não dizer outra coisa). Fico com a segunda opção.
Quando o Cruzeiro estava no ápice de sua reformulação, perdendo jogadores importantes como Ricardo Goulart, Everton Ribeiro e Lucas Silva, escrevi aqui que o clube estava pagando pelo seu sucesso. Isso foi dia 22 de janeiro. Abro um parêntese para o texto da época: “A conta que chega não é apenas financeira. É de relacionamento e crédito. Os investidores que ajudaram a montar o elenco bicampeão brasileiro querem agora – e de forma justa – suas contrapartidas lucrativas. Ninguém ajuda um time de futebol por ser bonzinho. O investidor ou empresário quer seu jogador na melhor vitrine vislumbrando um bom lucro a médio prazo. E hoje no Brasil não existe vitrine melhor que o Cruzeiro”.
Enquanto isso, Gilvan dava entrevistas nas quais mantinha a postura de que o Cruzeiro seguiria forte e que o dinheiro arrecadado com essas vendas “não seria jogado fora”, que as reposições seriam feitas a altura, pois o Cruzeiro tinha um grande negociador: ELE, o próprio Gilvan.
Muita gente a partir dali meio que começou a torcer o nariz e passou a taxar o presidente de arrogante. Não o conheço o suficiente para saber se ele é ou deixa de ser, então não entro no mérito nem farei juízo de valor. O fato é que, seis meses depois, posso dizer que hoje não crucifico quem o chama de arrogante. No mínimo, Gilvan morreu pela boca. A vingança dos peixes.
Na noite de ontem (16/07), em entrevista exclusiva nos estúdios da rádio Itatiaia, Gilvan deu uma ótima entrevista, talvez a sua mais lúcida desde que se tornou presidente do Cruzeiro há quase quatro anos. Pena que as notícias não foram boas e a entrevista veio fora de época. Ela deveria ter sido dada lá em janeiro, quando em vez de bater no peito dizendo ser um bom negociador, o presidente deveria ter dito que era um bom administrador.
Entre os diversos assuntos em voga, Gilvan destacou que boa parte do dinheiro arrecadado com as vendas foram para pagar as contas do “preço alto do bicampeonato”. Justo. Sabemos que no Brasil, ainda mais com essa crise geral, o futebol é deficitário. E montar um time como o do Cruzeiro nos últimos dois anos tem lá seu preço.
O grande erro de Gilvan é em momento algum admitir que fracassou ao tentar ser diretor e tomar as rédeas das contratações. Se não havia tanto dinheiro assim para investir, o que foi investido foi mal pago. As recentes saídas/afastamentos de Riascos, Seymour e Henrique Dourado provam isso. São alguns dos exemplos práticos e escancarados do planejamento mal feito em 2015.
Por outro lado, vejo que grande parte do desgaste entre clube e torcida na temporada se dá por causa das entrevistas infelizes que partiram da diretoria. Ao lado de Gilvan, inclui-se os “diretores tampão” Valdir Barbosa e Benecy Queiroz. Ninguém ventila 50 nomes na imprensa e pode sair impune. O pior de tudo é a incoerência do discurso. Hoje não se tem dinheiro para investir, mas há duas ou três semanas o Valdir disse que a proposta para Robinho, em nível de Brasil, era “imbatível”.
O bicampeão brasileiro não conseguiu um patrocínio master para a temporada. Mas é bom ressaltar que um patrocínio master na camisa significa cerca de 6% na arrecadação anual do clube. Quem disse foi o próprio diretor do clube, Róbson Pires, em recente entrevista publicada no portal UOL.
Basta uma pequena zapeada pelo site da ESPN e outros portais para saber que, há menos de dois meses, o especialista em gestão esportiva Amir Somoggi publicou um estudo que aponta o Cruzeiro como o clube que mais arrecadou com estádio no Brasil em 2014, lucrando quase R$ 86 milhões, dados de seu próprio balanço financeiro.
Aqui mesmo no portal ESPN, em matéria publicada no início de fevereiro, foi noticiado que a Rede Globo distribuiria R$ 300 milhões entre os clubes da Série A referentes ao arrecadado em jogos no Pay-per-view. O Cruzeiro foi o terceiro que mais lucrou, quase R$ 24,5 milhões, atrás apenas de Flamengo e Corinthians. E isso seria pago pela emissora em duas parcelas nos meses de fevereiro e março.
Na mesma entrevista do UOL citada acima, o diretor comercial do clube projetava a venda de 190 mil camisas oficiais do clube no primeiro semestre. Como o Cruzeiro recebe cerca de 17% de royalties por unidade, o montante atingiria R$ 6,5 milhões em seis meses.
No site do diário Lance!, em matéria do dia 26 de janeiro, foi noticiado que o Cruzeiro arrecadaria cerca de R$ 80 milhões com as negociações de Everton Ribeiro, Ricardo Goulart, Lucas Silva, Egídio e Nilton.
Entendo quando Gilvan diz que precisa pagar as contas. Honrar compromissos sempre foi um dos diferenciais do Cruzeiro. Mas o papo não cola. Quanto mais se fala, maior é o risco de haver uma contradição. Mesmo que seja por engano. Por isso sempre defendo o lema de trabalhar calado para deixar os resultados falarem por si.
Se Gilvan tivesse sido mais comedido, inteligente e transparente lá em janeiro, como foi na entrevista de ontem, muito do desgaste e da pressão em 2015 não teria surgido. Hoje, o próprio Gilvan se vê no centro de um furacão que, obviamente sem projetar, ele deu início.
Por mais que ele não tenha reconhecido publicamente seus próprios erros em 2015, espero que o momento seja de reflexão. Que ele faça um favor a si mesmo e delegue alguém competente para o cargo de diretor de futebol, volte para a administração (que ele foi tão bem entre 2012 e 2014) e cada um trabalhe no seu canto. Que seja drasticamente reduzido o número de entrevistas de gente do clube. Já se falou demais. Que se junte os cacos de algo tão bom que foi semi-destruído em tempo recorde e o Cruzeiro retome seu caminho.
A temporada ainda está em curso. Faltam 2/3 do Brasileirão para disputar e ainda existe uma Copa do Brasil pela frente. Que a humildade e o trabalho passem a imperar. E que a torcida, mesmo puta da vida, abrace a equipe dentro de campo para que o ano de 2016 não seja ainda mais turbulento. Um desfalque no programa do Sócio do Futebol, por exemplo, seria uma morte bem mais horrível do que as pataquadas de 2015.
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