6/7/2015 11:36
Sobre equívocos, extremismos e exageros
São poucos os motivos para a torcida azul sorrir em 2015
É consenso geral que o 2015 do Cruzeiro vem rolando aos trancos e barrancos. Desde a reformulação do elenco bicampeão brasileiro que começou como oxigenação e terminou mesmo como desmanche, a Raposa enquanto time e clube tem dado suas patinadas nesta temporada. No meio desse bolo, pode incluir também a torcida.
Se em 2013 e 14 ficou nítida a sinergia entre diretoria, time e arquibancada, em 2015 imperam o exagero e o extremismo. De todos os lados. Mais de dentro para fora do que o contrário. Mas de ambos.
O primeiro grande equívoco do planejamento de 2015 começou em novembro de 2014. Foi um erro o presidente Gilvan não conseguir alinhar um discurso e filosofia com o então diretor Alexandre Mattos, mesmo vindo de uma parceria de sucesso. Erro maior foi deixar Mattos cumprindo funções no clube quando já vislumbrava nova carreira na concorrência.
O exagero nítido veio com a falta de reposição desse diretor. O extremismo maior foi Gilvan chamar para si a responsabilidade de fazer as vezes de diretor, algo que não é a dele. Puro ego? Talvez.
O Cruzeiro começou o ano sem suas principais peças. Seu meio de campo foi todo desmontado. Saíram Ricardo Goulart e Everton Ribeiro, que além de tudo decidiam, e também Lucas Silva, que era quem fazia a bola de transição sair redonda da defesa para o ataque.
Criou-se aí a necessidade de se buscar o tal do meia, que virou uma espécie de mantra e calcanhar de Aquiles de tudo que acontece de ruim no clube em 2015. Marcelo Oliveira recebeu algumas boas peças, como Arrascaeta e Willians, mas não teve reposições a alturas que ele e a torcida esperavam para a montagem de um novo time.
Marcelo também exagerou ao insistir demais em algumas convicções que invariavelmente cavariam sua própria cova. Além de não conseguir dar um padrão de jogo para a equipe, pouco testou, pouco ousou. Tanto que, noves fora as contusões recentes, Marcos Vinícius e Gabriel Xavier raramente jogaram juntos, assim como ao menos um dos dois com Arrascaeta. A falta do tal meia vem daí. Não seria um exagero da nossa parte reclamar isso desde sempre?
O grande problema é que Gilvan, diretor de futebol, delegou funções para Valdir Barbosa e Benecy Queiroz. Não questiono – talvez nem tenha direito para – os cargos de ambos. Mas a partir do momento em que os dois passaram a trabalhar mais em frente às câmeras e microfones do que nos bastidores, tudo desandou. Ou, ao menos, serviu apenas para aumentar a expectativa em torno de grandes contratações que se tornaram apenas frustrações.
Outro dia, alguns amigos em um grupo de Whatsapp resolveram elencar as especulações não deram em nada. Isso apenas em 2015. Ultrapassou 40 nomes. Em uma empresa normal, profissionais que fracassam em 40 tentativas estariam na rua. Mas como o futebol é um universo paralelo em todos os sentidos, para o bem e para o mal, isso se convencionou algo normal no Brasil.
O que era expectativa que se tornou frustração, agora virou irritação porque, seis meses depois, o Cruzeiro não tem o cara que organiza o jogo em campo e muito menos o que organiza as coisas fora dele. Parece que temos quatro ou cinco caras que querem bater aquela falta marota a dois passos da grande área, mas nenhum deles é especialista. Assim como o time, temos um número exagerado de coadjuvantes, nenhum protagonista.
E onde estão os exageros e extremismos da torcida? Muita gente cornetou um bocado Marcelo Oliveira neste semestre. Em intensidade maior, reclamaram sua saída. Algumas semanas depois, com três vitórias, já haviam esquecido Marcelo. Três derrotas depois, muita gente olha para o outro Palestra. Para completar, não são poucos os torcedores que temem pelo pior com esse time horrível. Uma vitória depois e com futebol convincente contra o Atlético/PR, as esperanças estão renovadas.
Tal qual uma equipe que oscila muito em campo, que vai do céu ao inferno de um jogo para o outro, que é capaz de perder jogos imperdíveis e ganhar outros quase impossíveis, a torcida do Cruzeiro em 2015 nada mais é do que um reflexo da bagunça aparente que os rumos tomaram neste ano. Veja bem: não é uma crítica à torcida. Digo apenas que é um reflexo. Ninguém sabe onde esse time vai parar. Se nosso meia está aqui. Se um meia bom virá. Se vir, vai resolver. Está tudo ainda no campo da incógnita.
Semana passada, três episódios chamaram muito a atenção e mostram como estamos em uma era de extremismos e exageros. Luxemburgo precisou bater um papo sério com a imprensa que cobre o dia a dia do clube porque alguns profissionais literalmente se amontoaram em um banheiro próximo ao vestiário onde o treinador fazia uma cobrança mais ríspida junto aos seus comandados. Particularmente, neste caso dou razão a Luxemburgo. Ele está em seu ambiente de trabalho e seria um tanto bizarro se ele estivesse em uma redação de jornal ou TV para dar uma entrevista e, ouvindo um editor dar uma bronca particular em um repórter, ele Luxemburgo corresse para ouvir atrás da porta e externasse isso de alguma forma.
Por outro lado, alguns amigos (não são poucos) que são pé atrás com o treinador acreditam que ele deu o esporro de maneira calculada, só para chamar a atenção. Ainda que seja isso, não concordo com a atitude de quem foi para o banheiro ouvir aquele momento que, em tese, era reservado.
Falando em exagero, ninguém exagerou mais neste ano do que a dupla Benecy e Valdir, que costumam dar uma entrevista por dia. Quando não é entrevista, é papo informal na beira do campo da Toca 2, que acaba virando notícia. Repito: não tenho o menor direito de atacá-los, até porque não os conheço. Mas sou daqueles que acredita que o trabalho deve ser feito calado e o resultado é que deve fazer barulho.
Benecy, que tem décadas de trabalhos prestados ao clube, deu algumas declarações lamentáveis, se mostrando auto-suficiente, dizendo que é bom no que faz e que o clube não precisa de diretor. Para completar, ainda chamou de “terceiros” seus próprios torcedores, os que ajudam e muito para o Cruzeiro ter uma saúde financeira razoável, mesmo sem um patrocínio master e apesar de bicampeão nacional. Na outra ponta, muitos torcedores acreditam que a melhor forma de protestar é não renovar o Sócio do Futebol em 2016. Puro exagero. Isso só vai complicar mais o que já está bastante complicado.
Valdir Barbosa também não ficou de fora. Disse que o Cruzeiro de 2015 é refém do sucesso dos dois anos anteriores. Não dá para levar isso a sério, por mais que manter-se no topo seja mais difícil que alcançá-lo. Mas, vale lembrar, é necessária muita incompetência para destruir tudo o que foi pavimentado nos últimos anos. Ou seja...
Por outro lado, exagero eu quando digo que Benecy e Valdir são os que mais exageraram em 2015. O vencedor (ou perdedor, dependendo da ótica) neste quesito é o presidente Gilvan, que tem a caneta na mão e pode delegar quem faz o que no clube, de seus vices ao porteiro. Tem se equivocado um bocado e tropeçado em sua própria convicção de que não tem sua grande parcela de culpa. Não quero cair no senso comum extremista e muito menos concordar com xingamentos pejorativos contra o Gilvan. O senhor, cidadão, deve e merece ser respeitado. O presidente do Cruzeiro merece críticas. Mas não se pode baixar o nível. Por mais que, no (mais uma vez) universo paralelo do futebol, o torcedor enxergue o pessoal e o profissional como uma coisa só e acabe agindo pelo impulso.
Antes de começar o Brasileirão, fui convidado pelo ótimo site Trivela a projetar a campanha cruzeirense em 2015. Eu disse e mantenho a ideia de que o elenco do Cruzeiro, mesmo necessitando de alguém experiente no meio campo para ser uma liderança técnica da equipe, é para brigar pelo G4. Mas eu disse também que o maior desafio do cruzeirense seria tentar aceitar algo que não fosse o título, após dois anos passeando em cima dos rivais. Temos que lidar com essa neura.
Sigo nessa linha perigosa tentado fugir dos extremismos. Não vejo o Cruzeiro lutando contra o rebaixamento como muita gente teme. Assim como não imagino a equipe dando uma volta por cima tão cedo a ponto de pintar como favorita ao tri. O Cruzeiro não é aquele da partida perfeita contra o Atlético Mineiro no Horto, mas também não é aquele arremedo do jogo da Chapecoense. A não ser que as coisas se ajustem rapidamente e de maneira mágica neste (perdão) universo paralelo do futebol e tudo que parece ter acontecido de errado em 2015 até agora dê certo no fim das contas, e enterre de vez essa mania besta que temos de achar que sabemos alguma coisa de bola.
Enquanto isso, seguimos cornetando...
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