Presidente da Fifa, Joseph Blatter, investe milhões de dólares em nações sem expressão para garantir o apoio do maior número possível de países (Foto: Fifa TV)
Uma reportagem do jornalista Jeré Longman publicada pelo New York Times, neste sábado, mostra uma das maneiras pelas quais o presidente da Fifa, Joseph Blatter, reeleito para um quinto mandato na última sexta-feira, vem se mantendo no comando da entidade há 17 anos. Embora as Ilhas Cayman, arquipélago localizado no Caribe, não tenham nenhuma expressão no cenário do futebol mundial, a Fifa investiu desde 2002 US$ 2,2 milhões para a construção da nova sede da associação de futebol do país, além de dois campos num terreno pantanoso. Famoso destino turístico por causa das suas praias paradisíacas, as Ilhas Cayman ocupam apenas a posição 191 entre as 209 nações presentes no ranking da entidade. Estimada em 58 mil habitantes, a população do país não conseguiria sequer lotar os maiores estádios de futebol do mundo.
Por menor que seja o país, na Fifa o seu voto tem o mesmo valor que qualquer outra nação. Neste caso, iniciativas como as realizadas pela entidade no arquipélago do Caribe ajudam a garantir a fidelidade ao presidente Joseph Blatter, mesmo com todos os escândalos de corrupção divulgados recentemente. Escândalos que envolvem o home forte do futebol local: Jeffrey Webb. Suspeito de desviar milhões de dólares em subornos, ele foi um dos cartolas presos em Zurique, na Suíça.
Jeffrey Webb, ex-presidente da Concacaf, foi indiciado (Foto: REUTERS/Carlos Jasso)
Inexpressivas nos gramados, as Ilhas Cayman foram notícia no mundo todo após a divulgação de um escândalo envolvendo extorsão e suborno. Jeffrey Webb, presidente da Associação de Futebol das Ilhas Cayman e da Concacaf, foi um dos 14 funcionários indiciados pelas autoridades dos Estados Unidos por conta das denúncias de corrupção na Fifa. Seu adjunto, Costas Takkas, também está na relação. Até então considerado um presidente em potencial da FIFA, Jeffrey Webb é acusado de buscar e receber propinas no valor de milhões de dólares de empresas de marketing esportivo que compravam e depois revendiam os direitos de transmissão de torneios de futebol. Ele está preso na Suíça e tenta impedir a sua extradição para os Estados Unidos.
Segundo o consultor de relações públicas, Stephen Sigmund, que deu aulas de mídia, escrita e publicidade para Jeffrey em 2012, sua maneira discreta de ser, apesar de alto e atlético, ajudou a convencer as pessoas sobre as suas intenções.
Jogando política
A estratégia de Joseph Blatter de democratizar o futebol e aumentar a sua popularidade em todo o mundo incluiu um componente político. Através do pagamento de centenas de milhões de dólares para as federações filiadas à Fifa, ele conseguia o apoio de que precisava. Para as nações menos ricas, sem expressão no futebol mundial e extremamente dependentes da Fifa para investimento, este dinheiro torna-se indispensável.
- Joseph Blatter jogou um jogo muito inteligente. As Ilhas Cayman mostram como o programa de assistência financeira adotado pela Fifa deixa as pequenas associações de futebol em dívida com os líderes da entidade - afirma David Larkin, advogado de Washington especializado em esportes internacionais e diretor de uma organização chamada ChangeFifa.
Desde 2008, a Fifa investiu US$ 1,8 milhão nas Ilhas Cayman para a construção de dois campos de futebol. No entanto, passados sete anos o primeiro campo, ainda está longe de ser concluído. Além disso, a ideia de um dormitório e um ginásio não se concretizou. O projeto fez parte de um plano elaborado por Jeffrey Webb para revigorar futebol nas Ilhas Cayman. Dentro deste contexto, Joseph Blatter não poderia ignorar a proposta do então presidente da Concacaf, confederação que reúne 35 países membros da FIFA - cerca de 17% do total de votos na eleição presidencial da Fifa.
Em outubro de 2013, Joseph Blatter participou de um jantar de gala nas Ilhas Cayman para comemorar a eleição de Jeffrey Webb como presidente da Concacaf em maio de 2012 e sua nomeação para o Comitê Executivo da Fifa.
Mesmo que fosse apenas bajulação política, e uma forma de cimentar a lealdade de Jeffrey Webb na eleição presidencial da Fifa este ano, Blatter sugeriu na ocasião que ele poderia sucedê-lo. O próprio Webb já admitira que gostaria de assumir a entidade.
Finanças turvas
Entre os 14 indiciados na última quarta-feira está o ex-presidente da Concacaf, Jack Warner, de Trinidad e Tobago, acusado de receber um pagamento de US$ 10 milhões para ajudar a África do Sul ser a sede da Copa do Mundo de 2010.
Seu sucessor, Jeffrey Webb, posicionou-se como um reformista que traria responsabilidade e transparência para a Concacaf. No entanto, o esquema de corrupção continuou. Ele é acusado de ter recebido US$ 3 milhões da Traffic Sports EUA, empresa de marketing esportivo com sede em Miami que comprou os direitos de transmissão e de marketing para os jogos das eliminatórias no Caribe visando as Copas do Mundo de 2018 e 2022. A propina foi solicitada através de Costas Takkas, sócio de Jeffrey Webb e ex-secretário-geral da
Associação de Futebol de Ilhas Cayman.
Segundo as autoridades, parte do dinheiro foi depositado na conta de um empreiteiro que construiu uma piscina na residência do próprio Jeffrey Webb como forma de esconder a identidade do verdadeiro beneficiário do dinheiro do suborno. Webb também teria recebido US$, 1,1 milhão da Traffic Sports EUA em 2012 pelos direitos comerciais dos principais torneios internacionais da Concacaf: a Copa Ouro e Liga dos Campeões. Neste caso, foi usada uma fatura falsa para transparecer a ideia que o dinheiro estava sendo pago para uma empresa panamenha que fabricava uniformes de futebol e bolas. Em 2013, após a Traffic Sports EUA renovar o contrato de direito exclusivo de patrocínio para a Copa Ouro e a Liga dos Campeões pelo valor de US$ 60 milhões, Jeffrey Webb fez novo pedido de propina no valor de US$ 2 milhões.
Eventualmente, alguns dos envolvidos começaram a expressar preocupação com a prática de pagar propinas. Durante reunião, realizada em Queens, em março de 2014, Aaron Davidson, presidente da Traffic Sports EUA, se perguntou em uma conversa que estava aparentemente sendo gravada: "É ilegal? É ilegal. Dentro do quadro geral das coisas, uma empresa que tem trabalhado nesta indústria por 30 anos, é ruim? Isso é ruim". De acordo com o inquérito, na mesma época, Davidson também levantou a questão de uma propina a ser paga a Jeffrey Webb por outra empresa de marketing esportivo, a Datisa. O valor seria de US$ 110 milhões pelos direitos comerciais da Copa América especial, em comemoração ao centenário da competição, que será realizada em 2016, nos Estados Unidos. Embora o valor recebido por Webb ainda não seja conhecido, cerca de US$ 40 milhões foram pagos a vários destinatários.
A possibilidade de Jeffrey Webb ser preso surpreendeu muita gente nas Ilhas Cayman, pois é popular no arquipélago e injetou cerca de US$ 30 milhões na economia local através do futebol. Em comunicado, o ministro dos esportes, Osbourne Bodden, não mencionou o nome de Jeffrey Webb e disse apenas que o seu ministério não estava envolvido na investigação de futebol.