O áudio em que Pedro Lourenço, proprietário da SAF que controla o Cruzeiro, se gaba de pressionar Fernando Seabra como se ele fosse um funcionário incompetente revela um dos dilemas do novo modelo de gestão no futebol brasileiro. O profissionalismo não depende apenas da legislação criada para promovê-lo, mas das pessoas que, por intermédio dela, chegam ao futebol em posições de poder. São os métodos, quase sempre produto da visão de mundo dessas pessoas, que determinam como se dá o salto do amadorismo malandro que sempre caracterizou os clubes associativos às práticas modernas de administração de que o jogo no Brasil tanto carece. Ou como tal salto não se dá, e, exceto em relação ao que a lei manda sobre a responsabilização de quem toma decisões, tudo permanece igual. Assume-se aqui que a voz é mesmo de Lourenço e que o conteúdo é legítimo, embora a tecnologia possa sempre levar a confusões entre o que é real e o que foi manufaturado para ludibriar. Por quê? Porque o próprio Lourenço não nega o teor da mensagem, dizendo apenas - em contato com o jornal O Tempo , de Belo Horizonte - que isso é coisa de quem pretende "tumultuar o Cruzeiro ". Assume-se também que a conversa com o técnico do time realmente aconteceu, ou seja, que, em resumo, Lourenço o mandou escalar jogadores recentemente contratados ou "ir arrumando sua mala", num desses arroubos de autoridade que em nada o diferencia de um velho cartolão do bananal. Mais do que um capítulo embaraçoso de uma trajetória iniciante como dirigente, é uma cena ridícula.

O Cruzeiro está montando um elenco que promete reformar as ambições do clube e reconduzi-lo ao primeiro escalão do futebol do país. Os jogadores que chegaram nesta última janela de contratações encontraram um clube bem posicionado na classificação do Campeonato Brasileiro , graças às atuações de um time organizado e que mostra ser mais do que a soma de suas peças, um claro indício da influência de seu treinador. Ocorre que, apesar do sucesso no futebol de base e dos elogios praticamente unânimes – a respeito de sua capacidade e linha de trabalho – de quem convive com ele, Seabra é um técnico em começo de carreira. É muito mais fácil tratar alguém nessa posição com os níveis de desrespeito e soberba demonstrados por Lourenço no áudio vazado. Talvez tenha sido para isso mesmo, para se vangloriar por dar ordens a um treinador promissor, que Lourenço adquiriu o controle do Cruzeiro.

Neste caso, uma instituição centenária não passará de um brinquedo nas mãos de um bilionário que precisa se sentir poderoso. Na mesma conversa com o jornal O Tempo , Lourenço afirmou que dobrou o salário de Seabra. Tomara que não tenha faltado com a verdade para aparentar suporte ao técnico que conduziu o Cruzeiro à parte de cima da tabela do Campeonato Brasileiro, mas de nada servirá a valorização salarial se Lourenço quiser continuar a escalar o time. Essa tarefa é para gente do futebol, algo que todo dirigente competente sabe, mesmo que demore um pouco a aprender.

Próximos jogos do Cruzeiro: Botafogo (F) - 27/07, 21h30 (de Brasília) - Brasileirão Fortaleza (C) - 05/08, 21h (de Brasília) - Brasileirão Atlético-MG (C) - 10/08, 21h30 (de Brasília) - Brasileirão