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25/9/2014 17:48

Diretor do Cruzeiro propõe mudanças na base brasileira: "Estamos atrás"

Para Klauss Câmara, clubes precisam definir filosofia de jogo na base e transição precisa ser mais bem conduzida com equipes B ou competições sub-23

Diretor do Cruzeiro propõe mudanças na base brasileira: Estamos atrás
Klauss Câmara, diretor do Cruzeiro, defende treino diferente para a base (Foto: arquivo pessoal)

As críticas ao processo de formação do jogador brasileiro, impulsionadas pelos 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo, encontram eco em dirigentes que trabalham na área. Um deles é Klauss Câmara, diretor da base do Cruzeiro, que visitou recentemente as divisões de base de Barcelona e Porto em uma viagem de um mês pela Europa e voltou disposto a debater propostas de mudança.

Em entrevista, ele fala detalhadamente sobre o universo da base brasileira, pede uma maior atenção na transição dos jogadores e diz que várias coisas que viu na Europa podem ser aplicadas. Vê necessidade de mudança no calendário, nas divisões de categorias de base no Brasil (para que jogadores completem sua formação apenas aos 23 anos e que, para isso, hajam equipes sub-23, como já faz o Atlético-PR) e na legislação, que atualmente faz com que o atleta chegue ao clube aos 14 anos, muito mais tarde do que na Europa, o que, no entendimento dele, prejudica o aprendizado.

Klaus tem 34 anos e passagens por Figueirense (conquistando a Copa São Paulo de 2008 e trabalhando na captação), Atlético-PR (ajudou na contratação de nomes como Nathan e Marcos Guilherme) e Fluminense (como coordenador técnico). É atualmente um dos nomes mais respeitados da base brasileira. Confira a entrevista.

Você visitou as bases de Barcelona e Porto recentemente. O que se faz de diferente por lá e pode ser aplicado no Brasil?
Klauss Câmara:
Há muitas coisas que podem e devem ser aplicadas por aqui. Obviamente que não é tudo o que há na Europa, até porque temos muitas coisas boas, e eu não acredito no sucesso de nenhum modelo que seja copiado de outro. Creio que cada clube de futebol no Brasil precisa imediatamente criar o seu modelo de formação de atletas. Mas há algumas coisas que existem por lá que, para quem realmente quer ser um referencial no trabalho de base, precisa aplicar por aqui.

Por exemplo?
Cada clube precisa ter o seu modelo de formação de atletas e uma ideia de jogo coerente com sua história e cultura. Isso será um facilitador para todos, tanto para a instituição quanto para os profissionais (treinador, preparador físico etc.) O clube conseguirá perceber se os seus profissionais atuam de acordo com as diretrizes pré-estabelecidas, enquanto os profissionais terão a segurança de trabalhar de acordo com o que o clube espera dele. Há a necessidade também de uma gestão institucional responsável e coerente com os interesses do clube, que se preocupe verdadeiramente em formar e revelar atletas para a equipe principal e não só em ganhar títulos. Os profissionais que atuam na formação precisam ser valorizados como formadores, sem se preocupar em ascender ao profissional para serem reconhecidos. Isso atrapalha muito a formação dos nossos jogadores. É fundamental também ter critérios para definir quem pode ensinar futebol no Brasil. Aqui, qualquer um pode ir para a beirada do campo dar aulas, o que torna a qualidade de ensino baixa e leva jogadores a não aprenderem o jogo. É necessário saber o que ensinar, quando, como e por quê.

Em relação aos treinos, o que pode mudar?

Precisamos trabalhar durante a semana para o jogador, e não para a partida do fim de semana. É importante aplicar conteúdos de acordo com a fase do desenvolvimento do atleta, e não visando ao próximo adversário. E estimular os nossos jogadores a pensar, e não apenas a executar o jogo. Nossos atletas são muito intuitivos e pouco cognitivos. Devemos ter mais treinamentos que estimulem a tomada de decisão e o entendimento do jogo, para que eles saibam identificar e resolver os problemas que ocorrem dentro da partida. E nossos atletas precisam aprender a se dedicar, se empenhar e se comprometer mais nos treinamentos. Para isso, atividades com um volume menor, mas com maior intensidade, comprometimento e seriedade formam um perfil correto de trabalho.

E na infraestrutura?
As categorias de base no Brasil precisam ser vistas como investimento, e não como custo. Precisamos de mais campos de qualidade para treinamentos e jogos, materiais de trabalho qualificados para as comissões técnicas, profissionais que atuam na ciência do desporto, investimento em captação e análise de desempenho (equipamentos, softwares, banco de dados etc.). É importante também começar a ensinar na hora certa. No Brasil, infelizmente, só podemos receber atletas em nossos centros de treinamentos a partir de 14 anos, o que compromete a formação de novos jogadores. Perdemos a fase sensível do aprendizado de vários conteúdos e ainda pegamos um jogador com vícios e defeitos, que ele traz da escola da rua. Assim, temos pouco tempo para corrigir e ensinar. No Porto e no Barcelona, eles começam a ensinar futebol com 6 ou 7 anos de idade.

O Barcelona, por ter mais dinheiro, é um formador que consegue manter seus craques no clube, enquanto o Porto se caracteriza por contratar jovens, fazer um trabalho com eles e depois revendê-los (foi assim com Falcao, James Rodríguez, João Moutinho, Fernando, Mangala e vários outros). Qual dos dois modelos é mais viável por aqui?
Esses dois clubes possuem um processo de formação muito bem estruturado em suas divisões de base. A diferença que pude perceber é que no Porto, quando eles precisam fazer a transição dos atletas da base para o profissional, a matéria-prima não é boa o suficiente para competir em alto nível. Por isso, em Portugal acabam sendo mais compradores e revendedores do que formadores, enquanto no Barcelona há uma produção mais qualificada e no momento da transição os jogadores dão um retorno técnico maior. Mas, mesmo assim, diante do poderio econômico e financeiro que possui, ainda compra muitos atletas para ter essa equação de sucesso: jogadores formados em casa, mais excelentes jogadores comprados pelo mundo afora, sem deixar de seguir a sua ideia de jogo. Acredito que o modelo do Barça é o que mais se aplica por aqui, pois temos muita qualidade na nossa matéria-prima. Diante do exposto, reafirmo que poderíamos formar sempre jogadores de muita qualidade se tivéssemos todos um modelo de formação e uma ideia de jogo em nossos clubes.

Você conseguiu perceber se há ou não mais paciência dos clubes lá fora com os jogadores, para que completem melhor sua formação?
Não é mais paciência. Acredito que eles possuem um formato e um processo bem melhor e mais estruturado que o nosso. Lá, eles têm uma equipe de transição (um time B) com um calendário organizado. Isso facilita muito a transição dos jogadores e minimiza os erros no processo. Aqui, a grande maioria dos clubes não possui uma equipe de transição, e também não há um calendário para essa categoria. A consequência é que os clubes perdem muitos jogadores no momento da transição do sub-20 para o profissional. No Brasil, ou o jogador sobe do sub-20 para o profissional, ou é dispensado ou emprestado para outro clube.

Alguns ainda acabam se consolidando no mercado mais tarde. Para mim, há apenas duas hipóteses para solucionar esse grande problema do futebol brasileiro.

Quais são?
Uma delas é criar um calendário organizado e profissional para as equipes de transição (os times B), com os clubes valorizando e investindo em uma estrutura profissional. A outra é mudar a estrutura e as divisões das categorias de base no futebol brasileiro. A proposta é termos sub-23, sub-18, sub-16, sub-14 e sub-12 (a divisão atual tem equipes sub-20, sub-17, sub-15, sub-13 e sub-11). Penso que poderíamos montar uma estrutura mais responsável e completa na formação dos nossos jogadores e teríamos muito mais atletas em potencial para o futebol brasileiro, com os clubes podendo contar ainda mais com a prata da casa.

Em relação ao jogo, é possível dizer que o Brasil está muito atrás de outros países na base, ou o tamanho e as contradições da base brasileira impedem um diagnóstico mais preciso?
Se você for às principais competições de base que existem no Brasil, vai perceber por que acredito ser possível ter um diagnóstico preciso. Estamos atrás, sim. Tudo o que a mídia tem dito sobre a base do Brasil nos últimos dias tem um pouco de fundamento, precisamos assumir isso. Fico muito chateado em ver, nessas competições grandes, equipes que não possuem uma ideia de jogo, que permitem um jogo que é voltado apenas para o resultado e para a conquista desses campeonatos. É um jogo de muita valorização do individual, e não do coletivo, de muita ligação direta, com jogadores sem talento e capacidade técnica, que não possuem entendimento do jogo. Muitos não têm capacidade de executar fundamentos básicos do futebol, usam apenas força e intuição. Precisamos fazer nossos atletas jogarem mais, inserindo todos em um modelo que permita participar mais do jogo, com mais contato com a bola, que ela fique no chão e não no ar. Valorizar mais o talento e a capacidade técnica, investir mais tempo em conteúdos e, acima de tudo, saber ensinar.

No Fluminense, você já falava de alguns conceitos de jogo, como não dar chutão, sempre tentar sair jogando e priorizar o jogador mais técnico. Como tem sido a aplicação desses conceitos no Cruzeiro?
Buscamos implementar todos esses conceitos aqui, no Cruzeiro, onde temos condições perfeitas, mas ainda é preciso mais tempo para inserir tudo o que penso. Tenho todo o respaldo necessário da direção, e a equipe profissional tem sido um grande referencial para nós, principalmente pelo futebol que tem apresentado e pelo modelo de jogo aplicado. Já tive várias conversas com o Marcelo Oliveira. Ele tem sido muito importante no processo, e acredito que no futuro iremos colher bons frutos.

O quanto a legislação (a Lei Pelé e suas consequências) e as restrições orçamentárias da base dos clubes brasileiros atrapalham no processo de formação? Qual é a diferença, nesse caso, para um clube como o Porto?
Temos a convicção de que precisamos de mudanças na nossa legislação para que se favoreça o processo de formação de nossos jogadores em benefício do futebol brasileiro. Os clubes precisam de mais proteção e uma segurança maior nos vínculos com os seus jogadores. Com 16 anos, o atleta começa a se destacar, mas ainda não temos a certeza do nível que ele poderá alcançar. Com 19, temos mais segurança e uma leitura melhor do nível desse jogador, o que minimiza a chance de erro. O problema é que, com a legislação atual, somos obrigados a fazer um contrato profissional com um garoto que está começando a se destacar, para ele não se transferir. Esse contrato só me dá segurança para os três anos seguintes, quando precisamos fazer a renovação. Aí é que está um grande problema, pois, diante da confirmação de que se trata de um jogador de futuro, o clube fica vulnerável e desprotegido. O jogador e seus representantes se sentem mais confortáveis em pedir valores que são incompatíveis para a realidade financeira dos clubes brasileiros, sobretudo da base. Acredito que deveríamos fazer o primeiro contrato só quando o atleta completasse seus 19 anos, mas até esse momento não podemos deixar de ter alguma proteção no vínculo do jogador com o clube. Mudar esse cenário depende de uma série de circunstâncias, é uma longa discussão, mas é necessário.

2832 visitas - Fonte: Globo Esporte




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